segunda-feira, 10 de junho de 2013

Viva os loucos!

No último sábado, ao chegar da faculdade, desci na Orla de Curaçá, juntamente com o pessoal da Associação de Estudantes, para participar de um evento em comemoração à Semana do Meio Ambiente. Chegando lá ‘dei de cara’ com Chupila e logo corri para abraçá-lo. E, claro, tirar uma foto. Estava empolgadíssimo com aula que eu tivera pela tarde com o professor João José. Tinha tido orientações para meu Projeto de TCC que falará da loucura e dos “doidos” de Curaçá. Estou fascinado pelo tema, pelas leituras, pela própria loucura, pelos loucos. 

Chupila anda rua acima e rua abaixo, dando repetitivos e incansáveis pinotes, com uma mão na boca, pedindo uma moeda, se fazendo de besta. Dizem até que ele é um “oculista de bêbados”. Ele é uma figura. Dessas que, de tempos em tempos, surgem em Curaçá, cada uma com a sua particularidade. Chupila briga, corre atrás do povo, faz-se louco, faz medo, arranca de nós uma boa gargalhada, é cheio de histórias.


Chupila e Lugori    Foto: Adriana Carvalho



Assim é Curaçá. Com uma história de quase 200 anos, considerando apenas o tempo em que o antigo aldeamento do Pambú se constituiu Vila, a cidade sempre apresentou “personagens” carismáticos “tachados” como loucos e outros tantos “normais”, mas que por um motivo ou outro perdeu a dita “razão” e foram lançados no berço do esquecimento e do desprezo .

E foram muitos! A convivência com esse “estado de loucura” fez com muitos deles se tornassem patrimônio cultural da cidade. Zé doido, Domingão, Zé Pretinho, João Pescocinho, Macacuí, Gilberto Doido, Jorge Doido, Boscão, Neném Pitaca, Priquitinho de Tote, Jacutinga, Maria Quitéria, Goeszinho, Valney, Damião, Lalá e Chupila são apenas alguns nomes que fizeram e fazem parte deste cenário. Cada um com o seu “problema”, clínico ou não.

Ai que saudades de Domingão. Sobre ele, o grande Walter Araújo disse "Domingos fez parte daquelas criaturas que nos permite refletir, circunstância tão incomum no mundo de hoje. Impossível esquecer ser jeito sorrateiro, seu sorriso-gargalhada, sua mão estendida. Todavia, o que traz a reflexão era seu olhar humilde, quase uma súplica. E sua condição de indefeso diante de nossas arrogâncias. Em qualquer ambiente chegava acanhado, tímido, como se pedindo permissão para entrar. Se, como dizem, os olhos são a janela da alma, vi isto muito nítido na humildade do olhar de Domingos"


Sobre João Pescocinho, o sociólogo Esmeraldo Lopes revelou “João Pescocinho vivia a pregar onde quer que houvesse gente. Em suas pregações, declarava que havia sido recomendado por Deus para ajudar na remissão dos pecados do mundo. Fui a ele fazer uma entrevista. Ele me puxou para dentro do seu casebre, procurando escondido. Cochichou nos meus ouvidos: "Meu filho, cuidado! Se eles lhe verem comigo podem até lhe matar. O mundo tá cheio de cão. Quer ser meu ministro? Só que você não pode falar para ninguém, para evitar perseguição. Todos lhe declaravam louco e ninguém lhe ouvia. Na entrevista foram delineando seus planos: matar a fome do povo, evitar a prostituição, fazer chover, dá boa remuneração para os soldados não cometerem corrupção"

Em Curaçá tem louco que se faz de louco. Josiná Possidônio da Silva, conhecido como Lalá, ele mesmo me contou (mas não mostrou) tem até atestado de loucura. No entanto o próprio revelou que foi treinado por um amigo (ele imita direitinho) para enrolar o pessoal do Previdência e conseguir a sua aposentaria. E conseguiu! Mas trabalha normalmente limpando esgotos da cidade e, apesar de apresentar um comportamento considerado normal, a sociedade ainda o considera como um doido. Isso talvez esteja associado às suas vestimentas, à falta ou pouco cuidado com a própria higiene ou ainda o fato de ser uma espécie de “jornalista” que sabe tudo dos outros. E o pior é que ele não sabe guardar segredos. Para muitos, o seu comportamento é reprovado. Ele não tem papas na língua.

Na sociedade curaçaense existem pessoas que são classificadas como “loucas” apesar de não ter a figura do médico para assim diagnosticá-las. Essas, ao contrário, são assim chamadas por apresentarem comportamentos considerados anormais e são de igual modo “excluídas”, marginalizadas e vitimadas pelo preconceito e pela arrogância. São os “loucos sociais”. Muitos não apresentam sequer um tipo de distúrbio aparente, mas são vistos como loucos e morrem como tal. Assim é a loucura. Ora clinicamente detectada. Ora socialmente decretada.



Salve, salve os "doidos" de Curaçá!!!!




"Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual...Eu do meu lado aprendendo a ser louco" .
Raul Seixas










2 comentários:

  1. Nossa! Sem palavras! Parabéns pelo excelente trabalho Luciano, sei que vem lutando pra manter viva a nossa historia. O mundo precisa de pessoas como você. Te desejo toda sorte do mundo meu caro colega e que Deus abençoe grandiosamente as suas ideias, o seu trabalho e a sua vida.

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