domingo, 13 de abril de 2014

Kekê di Bela, o filho do Nego D'Água

Kekê e Lugori, loucos! Foto: Jaquelline Lugori

Ele chega de repente, me abraça forte, pede desculpas e beija os meus pés. E as pessoas ao redor – as que ainda não o conhecem, sem nada entender – se perguntam e se espantam com a cena que é mistura de loucura, respeito e consideração. Ele é intenso. Aliás, sei lá o que ele é. Acho que ainda não sou capaz de defini-lo nem compreendê-lo totalmente, pelo menos por enquanto.

Nasceu como Cleuton Cezar Ferreira dos Santos, mas ficou conhecido como Kekê, Kekê Tattoo, Kekê di Bela. Este último, que lembra sua mãe, Bela de Calango, é o que mais tem sido utilizado e difundido pela mídia local na divulgação de suas exposições artísticas, apesar de assiná-las apenas como Kekê.

- Eu vou “roubar” seu rosto.

Cleuton diz isso para todo mundo que ele acha bonito – ou seja, todos! – e solta uma gargalhada sinistra, parecida com a da música “Conde Drácula”, dos Bichos Escrotos. E continua zanzando pelas ruas de Curaçá puxando conversa com um e com outro. E recorda uma história do passado. É cobrado pelo quadro que prometeu e nem lembrava mais. Tira uma foto aqui, outra acolá. E, pros mais íntimos, pede:

- Me dê uma esmola!

E com o dinheiro em mãos compra uma cerveja. Promete mais quadros. Abraça e abraça. Fala. Indaga. E se segue o itinerário. Passa na casa de Zé de Inês. No Bar de Zé Ivo. Na casa de Jorge Doido. Sai à procura de Galego de Elias. Pergunta por Ricardo Pereira. Dá um jeito de ver todo mundo. E não se cansa. Às vezes, passa a noite em branco, com os amigos ou sozinho. E quando sol nasce, ele já está de pé e pronto pra mais uma. O homem é um “bruxo”.

Eu, particularmente, já passei e convivi diversos momentos com Kekê. Alguns cômicos, uns de seriedade e outros de exagero, puro exagero. Um dia desses em Juazeiro, durante um trabalho para disciplina Semiótica do professor Cosme Santos, eu e meu grupo, resolvemos fazer uma entrevista com Kekê pra ouvir a sua opinião sobre a simbologia do Nego D’Água, já que ele sempre reproduzia a imagem da estátua do artista Ledo Ivo – aquela que fica na beira do rio, no Bairro Angari – em suas telas, camisas e discos de vinil.

- A carranca levou a fama, mas quem protege os pescadores e nosso rio é o Nego D’Água.

Dizia Kekê todo empolgado e cheio de convicção. Então perguntei:

- Quer dizer que você acredita no Nego D’Água?

Ele sem pensar duas vezes, respondeu rapidamente:

- É claro que sim! Lá em Curaçá, por exemplo, na pedra do Morcego, até hoje pessoas desaparecem misteriosamente. Acho que sou filho dele!

E quem sou eu para duvidar disso? Se é um mistifório de imaginação com realismo ou ainda de pensamentos irrigados com loucura em demasia, não importa. São coisas dele. E eu acredito.

Teve outra situação que presenciei, desta vez em Petrolina. Durante o show de Capital Inicial, do nada, Dinho Ouro Preto, vocalista e líder da banda brasiliense, percebeu a presença de Kekê e gritou sem nome. E no meio da música Fátima, um clássico do lendário Aborto Elétrico, quando Kekê ouviu seu nome ser chamado, saiu correndo feito um louco em direção a Dinho. A multidão que lotava o Iate Club abriu caminho. Ele pulou a grade de proteção, subiu no palco, fez gestos como se venerasse um rei, deu um abraço em Dinho, tomou-lhe o microfone, arriscou cantar trechos do música, mandou um alô para Curaçá e disse:

- Lugori essa é pra você!

Kekê é isso. Ora é explosivo. Ora é mais contido. Ele um cara espetacular, destes que são cheios de entrelinhas e labirintos. Vários artistas de renome no cenário nacional – e até internacional, como no caso da banda norte-americana Information Society que perambulou pela região – já foram pintados com as suas mãos e sua genialidade. No seu portfólio, entre tantos nomes, estão os de Pitty, Pouca Vogal, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Titãs, O Rappa, Lulu Santos, Djavan, Maria Gadu, Zeca Pagodinho, Ivete Sangalo, Charlie Brow Jr.

Kekê di Bela, assim como eu, é fã de Macacuí, Zé Doido, João Pescocinho, Jorge Doido, Neném Pitaca, Domingão, Zoinho, enfim, de Curaçá. E quando escuta a canção “Alucinação” de Belchior, Kekê se derrete em lágrimas. É como se a música penetrasse sua alma, o corroesse por dentro e destilasse todas suas emoções. Ainda assim, ele pede para que eu repita a canção e aumente o som, insiste em que eu deixe no volume máximo. E, novamente me abraça, e chora como um louco em sua toda frenesi. Ele é um mix de loucura e sanidade.

E da mesma que me encontrou um tempo atrás no show dos Titãs – por acaso e num de repente, com toda cultualidade e depois sumiu na multidão – Kekê saiu da minha casa e partiu sem despedida num dia de carnaval, sem abraço, sequer um “até mais”. E, com a agressividade de um doido num surto psicótico, gritou no meio da rua:

- Lugori, eu sou um tubarão à deriva. Se eu te pegar no meu mar, vou te engolir!

Salve, salve Kekê di Bela. E, como diria Oswaldo Montenegro, que a sua loucura seja perdoada.

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